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CARTAS DE UM SEDUTOR: PARÓDIA E INTERTEXTO




Resumo:
O estudo do erótico na obra de Hilda Hilst Cartas de um sedutor pretende analisar como essa forma textual trabalha os conceitos de Bakthin, a fim de que as vozes dos discursos dos personagens funcionem como um desabafo autorizado da autora em relação à contemporaneidade, ao público leitor e ao mercado editoral. Portanto, o texto erótico hilstiano funciona no cerne da obra como um momento de avaliação de toda sua produção.
Texto:

CARTAS DE UM SEDUTOR: PARÓDIA E INTERTEXTO

 

Eliane Maria de Oliveira Giacon – UEMS

 
RESUMO: O estudo do erótico na obra de Hilda Hilst Cartas de um sedutorpretende analisar como essa forma textual trabalha os conceitos de Bakthin, a fim de que as vozes dos discursos dos personagens funcionem como um desabafo autorizado da autora em relação à contemporaneidade, ao público leitor e ao mercado editoral. Portanto, o texto erótico hilstiano funciona no cerne da obra como um momento de avaliação de toda sua produção.
 
Palavras-chave: erótico, dialogia, vozes
Key-words: erotic, dialogical, voices
 

Introdução

A proposta apresentada nesse artigo pretende trabalhar com a literatura erótica de Hilda Hilst da fase que vai entre 1982 até 1991, da qual serão estudados alguns pontos do livro Cartas de um sedutor (1991) e em especial do conto “ Bestera”, que contém subsídios para a análise dos elementos paródicos, intertextuais, carnavalizados e grotescos do discurso hilstiano, que abrem perspectivas para adentrarmos ao universo da criação literária dessacralizadora da ficção contemporanea, que no caso da ficcionista estudada funciona como um desabafo de seus personagens escritores contra o mercado editorial e o público. Ao proceder uma análise dessa obra e deste conto pretende-se desmistificar a fase pornográfica ficcional de Hilda Hilst e colocá-la no lugar que lhe é devido, não como um momento menor da criação dessa autora, mas sim como uma síntese de toda a sua relação com a literatura.
A escrita de Hilda Hilst pode ser considerada uma das vozes mais originais da literatura brasileira contemporanea, embora a crítica e o público não tenham lhe dado o lugar merecido como ficcionista. Conhecida como poetisa, muito da produção hilstiana, no ambito da ficção e do texto dramático ainda encontram-se inexplorados, esperando por leitores, que possam identificar-se com o seu processo de criação literária.
Um dos aspectos principais da ficção hilstiana concentra-se num período conhecido como de produção licenciosa, erótica, com textos escritos de forma fragmentada que são uma metáfora da metaficção, baseada em experimentos e exploração das diferentes possibilidades da produção ficcional de Hilda Hilst.
As proposições elencadas são mecanismos para que seja possível ao crítico analisar o cerne da obra hilstiana, pois esses textos, embora tendo como invólucro a pornografia e a preferência por descrições de cenas eróticas homossexuais e heterossexuais, propiciam uma outra leitura que pode ser feita a partir da interpretação da função desses elementos licenciosos dentro do romance contemporaneo e da produção literária de Hilda Hilst.
O ato de criação da ficção hilstiana vem reafirmar a posição de Bakhtin (1990, p. 398) quanto à narrativa romanesca, pois para ele o romance é um gênero único num processo evolutivo, que é alimentado pela modernidade, sendo pois uma tipologia textual capaz de adaptar-se a produção literária contemporanea.
A capacidade de adaptação do gênero romance às mudanças temporais propiciou que ele fosse tomado pelos escritores como veículos de várias tendências como ocorre com as obras de Hilda Hilst, em especial com dois romances: Contos de Escárnio: textos grotescos ( 2002) e Cartas de umsedutor ( 2002) em publicação atualizada pela editora globo, que se apresentam com títulos de contos e cartas, contudo seguem um modelo de estruturação de texto, no qual há um entrelaçamento entre conto, romance, poema e drama formando um mosaico de gêneros.
Isso não seria novidade, pois uma das características de experimentação do romance contemporaneo é o hibridismo de gêneros. Contudo, no caso da autora paulistana, é possível perceber que essa metodologia tende a ser utilizada para dessacralizar o ato de criação literária com o uso de situações e discursos dos antinarradores personagens sobre suas produções, que nascem não mais daquela essência do escritor, em seu ato inventivo, no qual ele apodera-se da filosófica e da teoria da literatura como ferramentas essenciais para atingir a perfeição, mas sim a partir dos seus desejos mais obscenos, em instantes grotescos de suas vidas.
A dessacralização não só se refere à questão do ato de criação do escritor, ela se estende ao discurso, no qual “a voz do outro, voz socialmente determinada, portadora de uma série de pontos de vista e apreciações, precisamente as necessárias ao autor” (BAKTHIN, 2002, p. 192) é introduzida num texto que utiliza o mecanismo da paródia, da intertextualidade, da carnavalização e do grotesco a respeito de filósofos, literatos e pintores como Nietzsche, Kant, Van Gogh, Byron, Rimbaud e Wittgenstein, entre outros, os citando e fornecendo juízo não só sobre a sua produção como também sobre fatos de alcova, que foram mitificadas nas histórias sobre a vida sexual deles.
Essas histórias, bem como a vida dos anti-narradores hilstianos e dos escritores personagens, são escritas em discursos confessionais do tipo ars erótica. Segundo Foucault (1977, p. 56), nessa arte “a verdade é extraída do próprio prazer, encarado como prática e recolhido como experiência”. Isso faz com que o método revolucionário de produzir literatura erótica, nas obras em estudo de Hilda Hilst, seja capaz de desmontar não só os estereótipos contemporaneos como também o texto que vai sendo contado pelos anti-narradores, pois toda boa literatura segundo Eliane Robert Moraes (1999, p. 114) “desmente o que nela – e dela – se afirma, convidando-nos a explorar os angulos menos óbvios da paisagem que se descortina à primeira vista.” E a literatura de Hilda Hilst, nessa fase chamada de pornográfica, debruçou-se sobre o ato de criação literária e o discurso, a fim de demonstrar com o grotesco do discurso de seus personagens a relação entre escritor e mercado.
Para tal, Hilst estabelece três planos: o do leitor, o do escritor e o do editor. Entre o autor e o leitor há uma relação dialógica socratiana, pois o leitor do texto que está sendo escrito é convidado a revelar os seus desejos sexuais mais obscenos, que são a todo o momento descortinados com escárnio pelo escritor, que no caso de Cartas de um sedutor (1991) é representado pelo irmão bissexual de Cordélia, que tenta extrair dela a confirmação sobre a relação incestuosa dela com o pai deles.
Em Contos d’ escárnio (1990) Crasso, escritor-narrador provoca o leitor, com a intenção de auxiliá-lo a trazer a tona o conhecimento sobre si e os outros numa tentativa de buscar a essência humana, via o erotismo contido no sexo oral, que se configura na busca do sublime, que pelo homem é captura em instantes de beleza plástica, cuja língua ambígua órgão de prazer sexual e de oralidade aproxima o homem do seu Criador.
Ao utilizar esse processo de extração singular da essência humana e atingir as raízes metafísicas do ser, a prosa hilstiana se comporta como uma anti-esfinge, à qual se dirigem os homens em busca de um saber, que não está nela e sim neles. Este processo provoca um hiato entre a produção literária de Hilda Hilst e a recepção de sua obra, e distancia a autora do público. Este problema na obra de Hilda Hilst se reflete constantemente nos autores personagens dos livros, em estudo, que são todos fadados ao fracasso. A partir dessa descoberta, muitas leituras se sucederam de tal forma que um embrião das idéias sobre a produção ficcional hilstiana tomou corpus de um artigo que pretende trabalhar a questão da relação criador, escritor e Deus, com a criatura, a criação literária bem como outros elementos ligados a paródia, a intertextualidade, a carnavalização e ao grotesco do discurso hilstiano, que abrem perspectivas para adentrarmos ao universo da criação literária dessacralizante da ficção contemporanea, que no caso da ficcionista estudada funciona como um desabafo de seus personagens como ocorre no romance Cartas de um sedutor e o conto “Bestera”.
 
Cartas de um sedutor: um contato entre criador e criatura
 
Não sejamos ingênuos, caro leitor, pois na modernidade, nada é por acaso e a obra literária nasce desejo incessante do escritor de transpor as barreiras entre ele e o leitor, fazendo-se muitas vezes passar por um antinarrador ou vários antinarradores, que se ocultam nas amarras do texto. E no gran finale, ele escolhe um título, que não tem nada de acaso, mas sim de caso pensado como ocorre em Cartas de um sedutor, pois a trama do livro tem como proposta a história d alguém que escreve para alguém tentado seduzi-lo para que seu texto não apenas seja lido, mas que ele possa ser uma ponte entre ele criador e a criatura. Assim a obra, que se converte para Hilda Hilst em um ato litúrgico de encontrar-se com Deus.
Encontrar-se com Deus na obra erótica, remete-se a questão do desejo, como “ a supressão do limite. Em seu primeiro movimento, ele pode ser definido pela existência de um objeto de desejo” (BATAILLE, 1986, p. 121), que se configura na obra hilstiana em buscar o criador. Assim ao citar Deus em uma de suas passagens, quando o irmão sedutor relata para Cordélia a receptora de suas cartas, um sonho, no qual “o próprio Deus com a face de andarilho ou daquele vadio do pneu” (2002, p. 62) o exibia como se fosse um troféu como metáfora da relação de poder entre criador e criatura.
Os dois elementos questionáveis nessa cena são o erotismo como a suspensão de limites e o objeto de desejo.Os limites suspendem-se nessa cena, quando o personagem sedutor se antecede dizendo que foi um sonho, no qual ele criatura estaria sendo exposto por Deus como sendo um objeto, um objeto de desejo do criador. Desejo que se manifesta em toda a obra, pois ela é escrita em simulacros, pois um antinarrador instaura um personagem Stamatius, um escritor mendigo, que por sua vez cria os textos eróticos em forma de cartas do irmão sedutor para sua irmã Cordélia, nos quais ele expõe todos os seus desejos sexuais e os que a irmã poderia ter, bem como a relação edipiana entre ele e o pai. Stamatius, o criador, como um Deus, irá expor os seus personagens e seu objeto de desejo, que nesse caso se volta para o sexo, em todas as suas formas de transgressão, que Bataille (1986, p. 3) determinou como a prostituição, o incesto e a orgia, que irão caracterizar os movimentos realizados pelo sedutor para tentar com suas cartas extrair de sua irmã a verdade, centrada em duas questões: o incesto entre ele e ela e entre o pai deles e Cordélia ; a homossexualidade do pai deles com o negro John Pater.
Sob esse arcabouço erótico, há alguns pontos que merecem destaque como a crítica feita pela autora sobre o endeusamento dos escritores, que ela desmascara aos poucos, revelando a verdadeira face desses semideuses de duas formas: uma por várias trechos, que escancaram a construção do mito de seriedade, dizendo: “Tenho horror de escritor. A lista de tarados é enorme. Rimbaud, o tal gênio: catava os dele piolhos e atirava-os nos cidadãos. Urinava nos copos das gentes nos bares.” (HILST, 2002, p. 74) e por aí a antinarrador hilstiano, na voz de Stamatius, desfia um rosário sobre todos os poeta e prosadores, tentando demonstrar o quanto o criador se importa com o público e com a criatura, a obra.
Para corroborar com a dessacralização da Literatura e do escritor, há a citação na qual o irmão sedutor, emissor das cartas compara Cordélia, a receptora, com Madame de Stäel: “Quem sabe me enganas e és na verdade uma madame Stäel e ris das minhas cartas?”( p. 71). Ao fazer essa comparação ele abre uma perspectiva de que a escrita dele seria algo tão insignificante se fosse lido, por alguém, que segundo a Historiografia Literária, teria no século XIX feito um tratado, que fora um divisor das águas entre a Literatura, que hoje conhecemos como tal e o conceito de Literatura até então. Ao mesmo tempo em que o antinarrador diminui os nomes ícones da Literatura, ele alavanca, o nome do escritor anônimo Stamatius, que desiste de seu lugar na vida burguesa e se dedica a escrever de fora da sociedade, expurgando os seus demônios nas cartas do sedutor, nas quais o objeto de desejo do criador, o escritor, e da criatura, o personagem se fundem no erotismo de um discurso que dirime os limites dos corpos e da relação entre os órgãos genitais e o pensamento filosófico do homem moderno, pois tudo convive num cosmo, no qual Deus, na sua onipotência, cria o homem para que com ele possa realizar seus desejos mais íntimos.
A obra Cartas de um sedutor joga entre dois opostos, de um lado há o criador, o escritor, e do outro a criatura, a obra, numa metáfora da relação entre Deus e o homem.A forma encontrada pela anti-narradora hilstiana, a fim de entrelaçar os dois opostos foi utilizar o ars erotic como um invólucro, que esconde por trás de cenas picantes e desabafos do irmão sedutor, duas questões importantes dessa fase de H. H.: a dessacralização da Literatura e de seus ícones bem como a figura do autor e sua relação com a sociedade e a criação literária
A forma encontrada pela antinarradora hilstiana para demonstrar a criação literária de Stamatius foi dividir o texto em sete partes. Dessas há quatro contos, denominados: “Horrível”, “Bestera”, “Sábado” e “Triste”, cujos assuntos giram em torno da relação entre Eros e Tanatos, na qual a suspensão da vida abre perspectivas para a visão interior do eu poético do personagem numa mistura de prazer sexual e espiritual de sua existência como criatura de um texto escrito por um escritor fingido, que busca em Eulália, sua amante, a resposta apreciativa quanto a sua escrita, mas ela nunca o ouve e se ouve não entende o que ele escreveu, nem a beleza de suas missivas. O conto “Triste” se encerra com o seguinte comentário: “…nem tudo pode ser arrumado, arruma-se o que sepode” (Hilst, 2002, p. 114). Esse texto encerra a idéia do personagem, um homem, um anônimo, que aparece numa cidade com um maço de papéis escrito e repete muitas vezes essa mesma frase como que dizendo para si mesmo, que a escrita é um ato de escrever e reescrever na medida do possível até a morte.
 
O conto “ Bestera”: é tudo uma besteira, uma brincadeira de esconde-esconde
 
Seria bom, a princípio informá-lo, leitor, que o livro Cartas de um sedutor é um romance, que narra o ato de escrever enxertando: se o termo fosse de bom grado, embora enxertar seja mais propício para gado,( desculpe o trocadilho) alguns contos, dos quais escolheremos o denominado de “Bestera” (p. 101-107) para uma análise. A propósito deste conto, farei alguns comentários sobre as características da obra hilstiana, tais como os elementos paródicos, intertextuais, carnavalizados e grotescos do discurso hilstiano, que abrem perspectivas para adentrarmos ao universo da criação literária dessacralizadora da ficção contemporanea. No caso da ficcionista, o texto funciona como um desabafo de seus personagens escritores contra o mercado editorial e o público.
Os elementos paródicos e intertextuais estão juntos nesse conto, pois há a intertextualidade como forma paródica em via de mão dupla, sendo uma quanto ao nome da empregada da senhora Leocádia, que “Chama-se Joyce (!)”. (HILST, 2002, p. 101), e mais à frente o narrador diz que a moça perguntou se Leocádia conhecia Chesterton, um humorista inglês. Somente nesse parágrafo pelo uso do ponto de exclamação e da alusão ao humorismo inglês, há uma referência implícita a James Joyce, pois o sinal de pontuação ao exclamar faz uma paródia do espanto causado pela obra de James Joyce, que sempre foi tida como de difícil entendimento. Ao citar o nome Chesterton, em referência ao caricaturista e humorista G. K. Chesterton,, o texto hilstiano sugeri mais paródia, que incorpora da arte a caricatura como forma de representação do mimética do grotesco.
A outra refere-se a paródia intertextual com Wittgeinstein, quando a personagem Leocádia refere-se ao seu amante jardineiro, que era tão desgostoso com a vida quanto o filósofo acima citado, desmisficando assim o pensamento filosófico como fruto de uma mente voltada para a razão e sim para a emoção evidenciada no sexo desmedido do serviçal do jardim e da cama da patroa.
A carnavalização e o grotesco no conto desestabilizam situações socialmente aceitas como verdades: uma quanto à relação entre juventude e velhice e a outra quanto ao conceito capitalista, que divide a sociedade em patrões e empregados. Na primeira o grotesco fixa-se no fato de Leocádia esconder o rosto com uma fronha bordada ao transar com um garoto de programa, que foi arrumado pela empregada. E ao final quando ela começa a ter relações sexuais com o Bestera, ela diz: “Estou feliz. Até já tiro a fronha” ( p. 107). Ou seja, ela já não precisa esconder o grotesco de suas rugas e o que antes, a empregada considerava como empecilho para arrumar-lhe um “caso” passou a ser diluído pela força de um discurso, que transformou o grotesco em comum.
Na segunda, há a carnavalização como processo de inversão de valores e de posições, pois a empregada passa a avaliar a patroa sob a visão contemporanea de beleza, pois ela pede para Leocádia levantar as saias e depois diz “Senhora, retrucou, será bastante difícil convencê-los, mas portar-me-ei, desculpe a mesóclise…” (p. 101). Ao pronunciar uma colocação pronominal mesoclítica, a empregada sente náuseas que a fazem ir ao banheiro e vomitar, num ato de repugnancia, que na primeira leitura pode ser pelas feições da patroa, contudo, a empregada, logo após se desculpa dizendo que seu problema se refere a Língua Portuguesa. A carnavalização é um recurso, nesse texto, que dessacraliza as relações de poder entre empregados e patrões; e entre a Língua Portuguesa e seus falantes.
A nudez da mulher em relação a eroticidade, segundo Bataille funciona como uma oposição “ ao estado normal, que tem certamente um sentido de negação” ( 1987, p.123), cujo tópico do conto “Bestera” fixa-se na nudez de Leocádia, uma senhora idosa, cujos traços envelhecidos pelo tempo negam todas as possibilidades de prazer, segundo a ótica da empregada e do primeiro garoto de programa, que a visita, mas que o dinheiro pago por Leocádia, derruba todas as barreiras impostas pela sociedade.
A questão financeira é corroborada pela história contada pelo garoto de programa que fala de seu amigo Bestera, que recebeu esse nome porque se negou a transar com um rapaz. Assim ele ficou sendo chamado de Bestera, pois “todo mundo achou uma bestera, porque com grana a gente mete em qualquer buraco” (p. 106).
Tanto esse conto com os outros de Hilda Hilst, nesse romance, terminam com um diálogo entre Stamatius e Eulália, representando a relação entre escritor e leitor. Assim Eulália diz: “tadinha da véia… mas ela se divertiu né? Agora se achegue… pára de escrevê, descansa, vem cá…hoje é sábado” (p.107) encerrando o texto com a constatação de que para o leitor comum não interessa o trabalho realizado pelo escritor, nem muito menos os elementos da narrativa, nem tão pouco o trabalho da enunciação, o que vale para ele é o enunciado.
 
Conclusão
 
A obra Carta de um sedutor (1991) e o conto “Bestera”, de Hilda Hist, nesse artigo, funcionam apenas como um sinalizador do quão vasto pode ser um trabalho de análise do texto erótico, principalmente de uma escritora que tentou escrever uma literatura pornográfica com o intuito de atender o mercado editorial, mas que não obteve êxito, pois continuaram dizendo que seus textos eram difíceis.
Assim ao ler e analisar essa obra é possível ao leitor abandonar o ponto de vista de que a literatura hilstiana seja tão hermética que mesmo ao escrever textos pornográficos, a escritora não conseguiu atingir o seu público, pois uma leitura livre de preconceitos acadêmicos, leva-nos a ver em Hilda Hilst uma forma de experimentar a visão do outro. Uma visão redimensionada, que tem como foco o outro que convive com o ato de criação e a produção do texto, sempre, de forma solitária e muitas vezes não em função de suas aptidões e interesses literários, mas sim daquilo que o mercado pede para ler.
Hilda Hist talvez seja na literatura brasileira, um dos casos mais excêntricos, que pede um estudo detalhado, aberto à perspectiva do novo, da ruptura, que não seja mais aquela ruptura, que leve o momento histórico-literário a criar grandes gênios, mas aquela, que busca nos resíduos da nossa sociedade, pontos críticos de tudo aquilo que é considerado como ícones do pensamento contemporaneo.
 
Referências Bibliográficas
BATAILLE, G. O erotismo. 2a ed. Trad. Antônio Carlos Viana. Porto Alegre: L&PM, 1987.
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